A Copa América que decepcionou no geral, mas presenteou algumas seleções e seus ciclos
Nesse domingo, chegou ao fim mais uma edição da Copa América. Entre histórias, fracassos e superações dentro do torneio, uma impressão mais negativa do que positiva em vista da competição como um todo. Contudo, houve fatores de otimismo e crescimento em muitas equipes— com detalhes que serão melhor explicados aqui.
Para falar mais sobre isso, preferi montar o texto dividindo tópicos para diferentes patamares de seleções no torneio. Aqui, vocês verão explicações mais específicas para cada uma delas.
Além dos finalistas Brasil e Peru, também há muito a falar dentro do nível da competição, tanto em qualidade das equipes quanto na imagem gerada com estádios, arbitragem, estrutura e contexto. De início, destaque à decepção geral que tem sido esta Copa América porque boa parte das seleções inclusas vieram de uma Copa do Mundo abaixo das expectativas, um começo de ciclo baseado em remontagem e recuperação da força de anos anteriores, além da ausência dos melhores jogadores em suas versões mais dominantes. Somada a tudo isso, a lesão de Neymar — um potencial destaque do torneio caso estivesse em campo — na seleção que, em teoria, é a maior potência do continente, condicionou ainda mais a Copa e seus atrativos.
Outro ponto que distanciou a competição de uma boa imagem, colocando de lado a parte do jogo, foi a estrutura: menor público nos estádios devido aos ingressos muito caros, a falta de força das seleções sul-americanas perante às melhores europeias, os problemas da arbitragem com o VAR nesses primeiros meses com o recurso, além de outros erros que causaram polêmica nas partidas. Ademais, as reclamações, sobretudo da seleção argentina, com a qualidade dos gramados também foram um problema — em especial na Arena do Grêmio.
As seleções mais frágeis do continente e as convidadas foram as que menos mostraram motivos para empolgação
Lanternas em seus respectivos grupos, Equador e Bolívia seguiram com más atuações, como nas Eliminatórias e nos últimos anos, de maneira geral. No pós-Copa do Mundo, ambas começaram ciclos diferentes, com novos treinadores — Eduardo Villegas assumiu a seleção petrolera em fevereiro deste ano; Hernán Gómez é o treinador equatoriano desde julho do ano passado. Ambas sofrem, além dos problemas e da falta de repertório no jogo em si, pela carência de jogadores no mais alto nível, e isso pesou para a desclassificação.
Pouco se pode falar em destaques individuais ou coletivos nas duas seleções, embora a Bolívia tenha tentado competir bem contra Brasil e Venezuela de modo reativo, mas tenha acabado derrotada pela notória diferença de material humano para os adversários. No caso do Equador, algumas deficiências coletivas (execução e velocidade dos ataques, especialmente) e uma transição defensiva muito ruim — vista nos três jogos. Não fosse pelo goleiro Alexander Domínguez, seria ainda pior a situação. O envelhecimento/pior forma física de jogadores de destaque, como Enner e Antonio Valencia, também pesou. Além disso, a ausência de jogadores que poderiam ser diferenciais no jogo ofensivo da equipe e ficaram de fora da convocação — Christian Noboa, Jefferson Montero e Juan Cazares, por exemplo — pesou em momentos decisivos.
Convidados para o torneio, o Japão e o Catar, que fizeram a final da Copa da Ásia no começo deste ano, obviamente trouxeram para a América do Sul equipes com foco diferente do almejado no torneio de meses atrás. Os japoneses com elenco alternativo, mais jovem e centrado em atletas do campeonato local — e algumas exceções que atuam na Europa —, e o Catar com um outro tipo de “teste”, ainda que com seu grupo principal. Ambos oscilaram e, de fato, não mostraram a mesma competitividade do outro torneio. Mas deu para ver um Japão com destaques e um futuro interessante, sobretudo com os jogadores de frente, no talento de Takefusa Kubo — recentemente contratado pelo Real Madrid — e com os gols de Koji Miyoshi. No Catar, alguns minutos de destaque para os atacantes Almoez Ali (autor de um dos gols mais bonitos da competição) e Akram Afif — este também foi destaque e melhor jogador da Copa da Ásia, em que o seu país foi campeão.
Acima deles, o Paraguai de Eduardo Berizzo chegou à fase de quartas de final. Oscilante e sem conseguir nenhuma vitória no torneio, mas com variantes que mostraram alguma competitividade: a maior delas, o goleiro Gatito Fernández — eleito, pela Brahma (patrocinadora do torneio) o melhor em campo em todos os quatro jogos de sua seleção. Ademais, em começo de trabalho, Berizzo já mostrou sua confiança no talento de jogadores como Miguel Almirón (maior destaque paraguaio com a bola nos pés), Matias Rojas e Derlis González para os próximos tempos de seleção. Foram o ponto alto nas primeiras rodadas. Depois, protagonismo à defesa de sua área e a segurar empates valiosos contra Brasil e Argentina — neste cenário, o zagueiro do Palmeiras, Gustavo Gómez, esteve em alta. Parece um começo difícil para os paraguaios, e falta continuidade para trabalhar as jogadas no campo de ataque: só o empate contra o Catar, na estreia, mostrou isso de forma mais clara.
Peru e Venezuela: os maiores beneficiados pela longevidade de seus projetos
Para quem acompanhou as seleções sul-americanas desde as Eliminatórias, não é surpresa que Peru e Venezuela tenham evoluído gradativamente. A primeira, com Ricardo Gareca proporcionando grandes feitos há algum tempo — classificação para uma Copa do Mundo depois de 40 anos, e para uma final de Copa América depois de 34 anos— e uma geração que já faz história por chegar ao menos nas semifinais em três das últimas quatro edições da maior competição do continente (2011, 2015 e 2019). Posteriormente, este trabalho será melhor comentado no texto.
Já os venezuelanos, sob o comando de Rafael Dudamel, mostraram força com jogadores que vingaram nos últimos torneios de base — vice-campeões mundiais sub-17 há dois anos e destaques na primeira fase do Sul-Americano sub-20 neste ano, liderando um grupo que também contava com Brasil, Colômbia e Chile. Não foi por acaso que seguraram o Brasil na primeira fase e chegaram a emendar quase dois anos sem perder um jogo competitivo (contando Eliminatórias e Copa América).
Entre os destaques individuais da Vinotinto no torneio, estão o goleiro Wilker Faríñez como um dos melhores da posição — e grande expoente pensando em futuro — , o zagueiro Yordan Osorio — de atuação impecável contra o Brasil — e as boas aparições dos pontas Darwin Machís e Yeferson Soteldo — o último já conhecido pelo público brasileiro, e dos grandes destaques no país, desde o sub-17. Ao que tudo indica, será uma seleção para incomodar e disputar, de maneira mais séria, uma vaga para a próxima Copa do Mundo. Nem mesmo a queda de rendimento, num jogo ruim diante da Argentina nas quartas de final, muda essa impressão deixada.
Uruguai de Tabárez, a inserção da nova geração e o sistema para Suárez-Cavani
Na seleção uruguaia, começamos a ver um processo de renovação ganhar força. O mesmo Óscar Tabárez de anos anteriores, mas agora influenciado pelo bom desempenho de jovens na Copa do Mundo e, depois, em amistosos que antecederam esta Copa América. Em especial, Rodrigo Bentancur cada vez mais protagonista na seleção, seja em ações defensivas ou no protagonismo a partir da transição defesa-ataque. Se em 2018 vimos Torreira em altíssimo nível, 2019 trouxe o meio-campista da Juve como o melhor uruguaio na posição; além dele, um melhor desempenho de Giorgian De Arrascaeta — melhor adaptado ao que faz no Brasil, mais próximo do gol e com menos sacrifícios a partir dos lados de campo — e também de José María Giménez, que fez um torneio até melhor que o de Diego Godín, referência mundial na defesa.
A equipe atual é resultado da inserção de jovens numa seleção que viveu anos de sucesso anteriormente, com uma geração agora envelhecida. Nos 11 de 2019, a renovação é quase completa, embora o grande pilar competitivo seja o mais experiente, de modo geral: Suárez e Cavani foram quase todo o sistema e geraram vitórias à Celeste durante o torneio. Desde a estreia magistral diante do Equador até o jogo da eliminação — com 3 gols anulados em que a dupla participou de alguma forma em cada lance — , um peso gigantesco dos atacantes no sistema. Em especial, Cavani, que tem sido cada vez mais decisivo e participativo no jogo uruguaio; desde o Mundial na Rússia. Deixaram a competição em um jogo de alguns erros fatais (especialmente na parte ofensiva) diante do Peru, e a fatalidade do pênalti perdido por Luis Suárez. Pelos nomes, por Tabárez, e pela competitividade que apresentam, prometem voltar fortes para a edição do ano que vem.
Colômbia x Chile e os desafios de cada geração
A Colômbia fez a melhor campanha da 1ª fase: três vitórias em três jogos e nenhum gol sofrido. Os primeiros meses com o técnico Carlos Queiroz no comando também foram agradáveis e com mudanças significativas: desde a consolidação da dupla Yerry Mina-Davinson Sánchez na zaga até as mudanças posicionais com Juan Cuadrado — agora como meio-campista interior — e James Rodríguez — como uma espécie de ponta direito, mas que está em constante movimento e aparece em todo lado para somar qualidades e armar o jogo. Contudo, faltou força e hierarquia para competir no mata-mata, e caíram nos pênaltis diante de um adversário que foi superior nos 90 minutos e nas cobranças.
O adversário em questão é o Chile, que chegou à Copa América como incógnita, mas fez uma fase de grupos positiva e, nas quartas de final, mostrou parte dos seus melhores momentos no torneio. Também porque há muitos jogadores de grande hierarquia nesta competição, afinal a venceram duas vezes consecutivas: Eduardo Vargas, Arturo Vidal, Alexis Sánchez, Charles Aránguiz, Gary Medel, Mauricio Isla, Gonzalo Jara, Jean Beausejour… conhecem o torneio como a palma das mãos. E isto fez diferença em momentos decisivos. Vimos um Chile intenso e que, quando encontra maiores espaços, consegue ser muito vertical com os passes de Aránguiz, a infiltração de Vidal, os dribles de Alexis ou os chutes certeiros de Vargas — ou nem sempre tão certeiros assim… Gallese que o diga.
Embora tenhamos alguns elogios para o conjunto, é importante destacar que Reinaldo Rueda ainda não encontrou soluções para presente e futuro na Roja: o elenco está envelhecendo e não há muitas alternativas pensando a médio/longo prazo. Há diferença de nível de Bravo para Arias no gol, por exemplo, além da queda física e de nível geral dos jogadores-chave. Isso pesou, além de problemas coletivos, como a concessão de espaços para que os rivais ataquem o seu campo, assim visto nas derrotas para o Peru e para a Argentina. Uma equipe bastante insegura e que não mostrou equilíbrio necessário em grandes desafios: sobra hierarquia, falta estrutura. Difícil desafio pensando nos próximos dois ou três anos.
Volto a falar da Colômbia, porque, diferentemente do Chile, está com uma geração promissora para o próximo ciclo. Carlos Queiroz é um dos treinadores mais capacitados no contexto de seleções, traz exemplos de boas defesas — deixou a Copa América sem sofrer nenhum gol — e possui maior qualidade nos atletas agora do que no trabalho anterior (com a seleção do Irã). Já encontrou soluções pontuais com os melhores da equipe, e pode ser melhor quando Juan Quintero voltar e os jogadores se acostumarem ainda mais com seu trabalho. Parece privilegiar a liberdade e o talento dos destaques. Grande notícia para os colombianos, embora tenha faltado autoridade e força em um jogo maior.
Em tempo: James foi um dos melhores jogadores desta edição da Copa América.
Argentina com um Messi muito diferente e mais descobertas foi uma grata surpresa na competição
Lionel Scaloni preparou bem o processo de renovação da Argentina a partir do momento que assumiu o trabalho, logo após o fracasso da seleção na Rússia. Em seu direcionamento, deixou de fora os veteranos em um primeiro momento, o que deu espaço para jogadores em transição crescerem. Nesse período, encontrou confiança tendo Otamendi como pilar na defesa e com Lo Celso e Paredes como homens de confiança a partir do meio-campo. E assim, de forma gradativa, foi fazendo testes até as convocações de 2019.
Nos amistosos — nem sempre de alto nível — da albiceleste no ano passado, uma estrutura de jogo com mais fluidez a partir de passes curtos e destaque ao trabalho dos laterais Renzo Saravia e Nicolás Tagliafico. Contudo, a partir do retorno de Messi e Agüero à seleção (março deste ano), o direcionamento mudou e Scaloni precisou se readaptar. O primeiro resultado positivo dessa junção só chegou três meses depois, durante a Copa América. Com muitos jogadores diferentes e um módulo de jogo bem distinto: o 4–3–1–2, com Messi ligando uma dupla nada convencional, em vista do que foi a Argentina de anos atrás.
O desempenho ruim de Saravia e Casco na lateral-direita abriu espaço para o jovem Juan Foyth ser improvisado e se sair bem na posição. E, como grata surpresa, Rodrigo De Paul se encaixou bem como um “sócio” de Messi a partir do meio-campo à direita, e como desafogo com e sem a bola. E assim se deu a equipe que encorpou no torneio. Mas antes, derrota assustadora para a Colômbia e um empate diante de um Paraguai que foi superior; até então, a estrutura e a forma de jogo eram totalmente diferentes. Por um bom encaixe de Lautaro Martínez — um poço de personalidade e diferença para a equipe — tudo mudou a partir da vitória sobre o Catar.
Entre problemas e declarações nada habituais de Messi, criticando a Conmebol e os estádios brasileiros, vimos uma Argentina diferente. Com Leo atuando abaixo da sua média, mas retomando protagonismo na fase mata-mata, e uma equipe mais intensa, forte a partir do jogo nos lados e com seus meias e atacantes com agressividade para chegar e buscar a conclusão. Superaram a Venezuela com tranquilidade — e um erro fatal de Faríñez — e conseguiram uma atuação equiparável com a do Brasil desta forma.
Ótimas notícias as exibições de Foyth, Paredes (o melhor da seleção no torneio), De Paul e Lautaro Martínez. Também se recuperaram Sergio Agüero e Lionel Messi, os experientes que seguirão o trabalho junto à renovada seleção. De lado triste, a perda de qualidade nas atuações de Ángel Di María que, a cada dia, parece mais longe de um encaixe nos jogos pela seleção. No todo, Scaloni e sua equipe deixam o torneio com muitas soluções encontradas — e que pareciam distantes — , uma equipe e um líder que estão mais conectados com o seu povo, e com uma impressão de que a melhora deste ano é uma prévia do que pode chegar no ano que vem. Melhor que isso, só o título, que também parecia impossível de início, mas esteve mais próximo do que nunca durante o jogo contra a seleção brasileira.
Ricardo Gareca e Paolo Guerrero como pilares históricos na seleção peruana
Sim, eu já falei da seleção do Peru neste texto. E prometi desenvolver mais o assunto. Quem acompanha a história desta equipe sabe como Gareca e Guerrero possuem um impacto gigantesco no que ocorreu de positivo com os peruanos nos últimos anos. Paolo é, talvez, o melhor centroavante do continente em atividade, porque domina o jogo fora da área, possui pivô, apoio, entendimento e hierarquia para partidas maiores. Gareca conseguiu implantar o ataque posicional e potencializar os melhores atletas do país a ponto de competir com potências sul-americanas.
Na primeira fase da Copa América, e até na Copa do Mundo, o Peru ficou muito marcado como uma equipe altamente ofensiva, e que sempre possuiu jogadores e qualidades para ser “rotulada” assim. Um ataque posicional forte, e atletas capazes de desequilibrar em passe, drible e conclusão (ou mais de uma dessas virtudes juntas) — Carrillo, Flores, Cueva, Ruidíaz, Polo, Guerrero… e, até a goleada sofrida para o Brasil (0 x 5), no fim da fase de grupos, este rótulo se manteve vivo.
À frente, tendo Uruguai (quartas), Chile (semi) e Brasil (final) como adversários, estava nítido que o Peru precisava mudar sua forma de jogar. Diante dos uruguaios, uma equipe menos dominante com a bola e sem se defender de maneira tão primorosa — sofreu três gols, que acabaram anulados — , mas sobreviveu e passou nos pênaltis, com méritos de seus atletas. Nas semifinais, um jogo de apoio, boa conexão de passes e defesa da própria área de maneira exemplar. E, a partir disso, uma final competitiva diante do Brasil: pressão, chegada com a posse de bola, apoios de Paolo Guerrero, um primeiro passe qualificado com Yoshimar Yotún e Renato Tapia… e Miguel Trauco como o melhor lateral-esquerdo da competição.
Em resumo, seria um exagero gigante dizer que a seleção peruana trabalha apenas com virtudes tendo a bola. Também aprendeu a defender no próprio campo e pressionar na metade adversária em momentos oportunos. Ninguém chega a uma final continental à toa. Méritos coletivos e os nomes principais de destaque (Guerrero e o treinador) como expoentes. Também merece uma menção o zagueiro Carlos Zambrano, dono de uma das atuações mais seguras da competição, no triunfo diante do Chile. Para este que escreve, o jogo com a maior surpresa do campeonato. A seleção do Peru vive intensamente a história e seus momentos mais marcantes em muito tempo. Gareca, Guerrero, Cueva, Gallese (herói em fases importantes), Farfán, dentre outros, todos como protagonistas de uma história em atualização no país. E seguimos apreciando esta realidade.
Curiosidade: quem diria que, pela lesão do ídolo Jefferson Farfán, a seleção peruana encontraria uma melhor eficácia ofensiva com Carrillo, Flores e Cueva na linha de três meias ofensivos, não? Das tantas histórias que o futebol proporciona…
O Brasil foi campeão, mas deixou a impressão de que possui detalhes a melhorar
Pela vantagem natural diante dos competidores da América do Sul, muitos taxaram a seleção brasileira como a favorita ao título desta Copa América. Com razão, afinal possui o melhor elenco — avaliando o material humano em si — , o que foi o desempenho nas últimas Eliminatórias e, num momento inicial, com Neymar como ponto de desequilíbrio. Mesmo sem ele, a opinião não mudou, sobretudo porque é a seleção anfitriã do torneio.
Ao fim, a expectativa se confirmou e o Brasil sagrou-se campeão da Copa América, encerrando um jejum de 12 anos. Mas avaliar o título como um ponto de puros elogios seria um tanto enganoso, especialmente porque os brasileiros notam como a equipe deixou de convencer em desempenho desde o pré-Copa do Mundo. Por mudança na estrutura de jogo e por questões específicas de alguns jogadores. A campanha das últimas semanas só comprovou isto.
Primeiro, retornamos ao que foi dito no início do texto: atualmente, há uma disparidade considerável entre as melhores seleções europeias e as melhores seleções sul-americanas. Talvez, só o Brasil compita com as equipes mais qualificadas do Velho Continente nos dias atuais. Ainda assim, com ressalvas. A Bélgica exemplificou isto há um ano, e a seleção brasileira não encontrou uma resposta convincente desde que adotou o ataque posicional e “limitou” as qualidades de alguns de seus atletas. Pior ainda: perdeu jogadores importantíssimos quando havia possibilidade de alteração da ideia.
Desde o começo de 2018, ao menos quatro jogadores essenciais no funcionamento coletivo da seleção se tornaram desfalques em eventos importantes: Daniel Alves (Copa do Mundo), Marcelo (Datas FIFA pós-Copa do Mundo e, posteriormente, na Copa América), Renato Augusto (a partir da Copa do Mundo, em vista de uma renovação no elenco e a entrada de Arthur na equipe) e Neymar (lesões de metatarso e a última sofrida diante do Catar, que o tirou da Copa América). Atletas que possuem peso maior no funcionamento do jogo e da dinâmica da equipe e, talvez pela ausência de um ou mais deles, a velocidade e a eficácia do ataque estejam abaixo do esperado.
Por sorte, Daniel esteve com o Brasil nesta Copa América. Não por acaso, foi eleito o melhor jogador da competição. Peça-chave na construção e em parte da conclusão dos ataques do time, o lateral fez falta na Rússia e foi um peso importante no sistema da equipe nas últimas partidas. Também é elogiável como Tite soube aproveitar seus atacantes atuando juntos e sua defesa sempre estável — só levou um gol em toda a Copa América, ainda assim, de pênalti. Mas falta velocidade e um melhor proveito de seus atletas, sobretudo na parte ofensiva. Em destaque defensivo, outro grande ano de Thiago Silva com a seleção e uma temporada de ouro para Alisson — nove jogos seguidos sem sofrer gols, entre Liverpool e Brasil, e dois títulos de projeção internacional.
Tite passou a ser muito criticado desde a eliminação na Copa do Mundo. É verdade que a seleção conseguiu um salto espetacular de qualidade com sua chegada, mas as novas exigências o tornaram mais vulnerável aos questionamentos — alguns deles, bastante válidos. Especialmente em relação à “mecanização” do seu jogo e à forma com que isso tornou o ataque brasileiro previsível, houve problemas sérios durante o torneio. Foi o motivo para que Venezuela e Paraguai passassem uma partida inteira sem levar gol da seleção verde e amarela. E porque Gabriel Jesus demorou a engrenar no ataque — muito preso à ponta, no ataque posicional convencional. O treinador não soube entender as vantagens de seus jogadores.
Ainda assim, por vantagens do sistema — jogo organizado, saída de bola estruturada, boa defesa e bom posicionamento nesses momentos e qualidade pura de seus atletas dentro desse contexto — , o Brasil garantiu a liderança de seu grupo, passou nos pênaltis contra o Paraguai (superando um trauma de 2011 e 2015) e teve algumas dificuldades diante de uma Argentina que já tinha argumentos para assustar — Leo Messi e uma equipe que cresceu, como dito aqui. Na decisão, mesmo com alguns problemas à tona, o desenvolvimento do grupo definiu o campeão.
Para o ciclo, ficam os elogios ao obstáculo que Tite superou: era necessário ser campeão para gerar uma imagem de maior confiança e manter seu trabalho — embora não haja certeza que o treinador seguirá na seleção, por motivos internos e por escolha dele. Também porque vencer gera confiança e força em um ciclo. Mas há sérios pontos a se observar, e mais: jogadores ausentes que podem — e devem — ser peças-chave em desafios de maior exigência: Neymar o maior deles, é claro, mas também nomes de potencial futuro (Renan Lodi, Vinícius Jr., Fabinho…) e consolidados com potencial para recuperarem o melhor nível (Marcelo, Danilo, Douglas Costa…). A ver. O Brasil é o campeão, e isto gera elogios, mas também é dos que mais traz incógnitas, porque é uma equipe de infinitas possibilidades e alguns pontos para evoluir que merecem um destaque.