A sorte que mascara o sucesso

Matheus Eduardo
7 min readSep 28, 2018

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Texto originalmente publicado no Futecérebro, em 29 de outubro de 2016.

Marcelo Oliveira vem tendo muita ajuda da sorte nos últimos meses de trabalho. Até onde ele chegará assim? (Foto: VAVEL Brasil/Reprodução)

O mês de novembro se avizinha, e o Atlético Mineiro ainda luta, ao menos teoricamente, por dois títulos nesta temporada. Mesmo jogando em casa, o time de Belo Horizonte deixou escapar dois pontos contra o Flamengo, adversário direto na tabela, e pode ter, definitivamente, dito adeus à possibilidade de levantar o troféu da disputa por pontos corridos deste ano. E muito disso se deve à fraqueza coletiva atleticana.

Há alguns anos, existe uma badalação muito grande quanto às temporadas do Atlético, especialmente de 2012 para cá. Isso se deve ao fato de o clube alvinegro possuir, principalmente em seu setor ofensivo, peças que chamam a atenção com muita qualidade técnica e capacidade de decidir jogos. Porém, com a expectativa alta, as exigências e o trabalho também precisam ser maiores. Este, possivelmente, é o grande obstáculo encontrado pelo Galo nas temporadas atuais, e que, mais uma vez, assombra o lado preto e branco de Belo Horizonte.

Nos últimos quatro anos, o Atlético chegou a dois vice-campeonatos brasileiros, mas não conseguiu estender a luta pelo título, nessas duas ocasiões, até a reta final dos torneios. Isto porque ainda falta ao time de Minas Gerais algo que sempre é necessário ter em equipes campeãs nos torneios de pontos corridos: qualidade coletiva e regularidade. Com Cuca e Levir Culpi, muito foi explorado nas individualidades dos atletas, mas a falta de força em conjunto falou mais alto enquanto o time foi superado pelo Fluminense, em 2012, e pelo Corinthians, em 2015. No ano atual, o cenário se repete, com algumas diferenças agravantes.

Após a demissão do uruguaio Diego Aguirre, o presidente do Atlético, Daniel Nepomuceno, recorreu a uma alternativa muito esperada por parte dos torcedores: contratou o técnico Marcelo Oliveira para assumir o clube alvinegro. No Galo, Marcelo foi um dos melhores meias que vestiram a camisa do clube, e tem o seu valor reconhecido por isso. Como treinador, teve uma passagem frustrada pelo mesmo time em 2008, ano do centenário atleticano, que não traz boas lembranças ao torcedor. Desde então, deixou o Atlético, conseguiu reconhecimento nacional após chegar a duas finais consecutivas da Copa do Brasil com o Coritiba, com dois vice-campeonatos; levou o bicampeonato brasileiro pelo rival Cruzeiro — e, ainda assim, trouxe bastante contestação em sua passagem pelo clube celeste — e venceu a Copa do Brasil com o Palmeiras, em 2015, mesmo com muitas atuações contestadas do clube paulista durante todo o ano. No clube alviverde, foi demitido três meses após levantar o caneco citado anteriormente.

Marcelo Oliveira venceu a Copa do Brasil com o Palmeiras, mas vinha de atuações nada convincentes no clube paulista. Três meses depois, acabou demitido após péssimo começo de ano e influência forte na campanha que causou a eliminação na fase de grupos da Libertadores (Foto: Acorda Brasil/Reprodução)

Mas por que tanto contraste em seus trabalhos? Por que, mesmo com títulos, existem tantas críticas? É uma questão reincidente, e que pode ser explicada com detalhes. O fato é que as equipes treinadas por Marcelo têm, em sua montagem, alguns defeitos enquanto equipes. O estilo de marcação, muitas vezes individual, deixa espaços entre as linhas de defesa, um lugar muito explorado pelos rivais para infiltração de jogadores ofensivos e trocas de passe visando se aproximar do gol do rival. Como consequência disso, o Cruzeiro, comandado por ele, foi o segundo campeão brasileiro que mais sofreu gols na edição de pontos corridos com 38 partidas (desde 2006): foram 37 sofridos em 2013 e 38 em 2014; somente o Flamengo, em 2009, com 44 gols contra, sofreu mais. No Atlético, já são 42 gols sofridos em 32 jogos, com a defesa sendo vazada em 23 partidas diferentes — a primeira rodada do Brasileiro ainda foi no comando de Diego Aguirre, e o Galo não sofreu gol.

Trazendo para o time do Galo, é ainda mais grave dizer que, mesmo sendo o quarto colocado na tabela do Brasileiro, a equipe mineira é a oitava que mais sofreu gols no torneio. Mas a força do seu sistema ofensivo, uma das virtudes do técnico atleticano, faz com que isso seja minimizado. Não é qualquer time que pode se dar ao luxo de escolher entre Lucas Pratto ou Fred para se sentar no banco de reservas. E Marcelo se aproveita disso para esconder os defeitos coletivos. Além disso, o comando ofensivo alvinegro conseguiu, em partes, ofuscar os gols sofridos com muitos gols marcados: Fred é o artilheiro do Brasileiro, com 13 gols marcados (11 com a camisa atleticana), enquanto Robinho já balançou as redes 12 vezes neste torneio. Em jogos fora de casa, as desorganizações defensivas, muito citadas nos parágrafos anteriores, trouxeram ao Atlético prejuízos grandes e tornaram as partidas bem mais complicadas do que aparentavam ser. A verdade é que o time do Galo, dentro do campo, pode ser dividido em dois blocos: o bloco dos que atacam e o bloco dos que tentam defender.

Fred, Cazares e Robinho, somados, marcaram 29 dos 56 gols do Atlético neste Campeonato Brasileiro. Muitos deles foram importantes para minimizar o problema do alto número de gols sofridos no torneio (Foto: Igor Ribeiro/Framephoto/Estadão Conteúdo)

Nas últimas semanas, toda a instabilidade atleticana foi posta à prova. Na derrota para o Botafogo, uma série de erros no posicionamento defensivo e pouca criação de jogo; no empate com o Flamengo, o time foi dominado nos primeiros 45 minutos, sem conseguir sair do campo de defesa, trocando passes — também pela ausência de Rafael Carioca, que não atuou nesta partida e jogou apenas 45 minutos (ruins) contra o Botafogo -, e assistindo o adversário ocupar seu campo de defesa, com a intermediária ofensiva livre para atacar. Foi assim também que o Botafogo encontrou a vitória contra o time de Marcelo Oliveira: com Camilo livre entre os volantes e a última linha, e os dois atacantes flutuando e puxando a atenção dos quatro defensores atleticanos.

Vale lembrar que esse problema no Atlético é muito recorrente: o time de Levir Culpi, em 2015, deixou o título escapar também por muito sofrer gols na reta final das partidas, com um sistema defensivo muito vulnerável. Os laterais subindo muito, meio-campistas com pouca recomposição, jogadores de frente sem tanta proteção ao lado de campo quando o time perdia a bola… Problemas que se repetiram até boa parte deste ano. Com Carlos César e Fábio Santos no time titular, isso diminuiu, mas ainda acontece. Não à toa, Júnior Urso é sempre o jogador que mais corre e cobre espaços no campo, visando preencher as lacunas deixadas pela equipe no gramado.

Atlético no confronto contra o Flamengo, no Mineirão: na teoria, duas linhas de quatro, mas Fábio Santos precisa se adiantar para fechar o espaço no meio-de-campo e acaba deixando uma brecha na esquerda. É uma das várias imperfeições e falhas no preenchimento de espaços no time de Marcelo Oliveira quando se defende (Reprodução: Site Taticamente Falando)

Além disso, a principal herança que Marcelo Oliveira traz de um de seus antecessores no comando técnico do Atlético é a fama de “burro com sorte”. Sorte esta que caminhou sempre ao lado do treinador, mesmo em momentos de muito desacerto. Embora atuando mal, o Galo conseguiu, em muitas partidas, resultados positivos que permitiram ao clube seguir sonhando com o título brasileiro. Foi assim contra o Grêmio, no Rio Grande do Sul, em partida que o time mineiro foi dominado pelo rival gaúcho, sofreu apenas um gol dentre várias finalizações adversárias, e acabou encontrando o tento de empate nos pés de Robinho, nos minutos finais; foi assim contra o São Paulo, no Morumbi, quando os mandantes dominaram toda a segunda etapa, e o Atlético nem sequer finalizou a gol nos 45 minutos finais do jogo e, ainda assim, saiu de lá com a vitória por 2 a 1; foi assim contra o Sport, no Recife, quando o Galo abriu 4 a 2 no intervalo, mas levou o empate, e só assistiu ao Sport — àquela época, um dos times mais instáveis do campeonato — dominar a partida e criar chances de gol. Além desses, houve outros momentos de descontrole atleticano durante as partidas — inclusive as que atuou como mandante -, mas que acabaram abafadas por gols salvadores em momentos complicados dos jogos.

Na Copa do Brasil, torneio que Marcelo tanto conhece, a sorte não esqueceu de deixar seu cartão de visita. Seu time atuou mal, cedeu a bola e os espaços no campo para o time do Internacional e acabou por sofrer durante quase toda a partida. Por peça do acaso e um goleiro inspirado, o plano não foi por água abaixo e o Atlético conseguiu sair de Porto Alegre com uma vitória, que aproximou sua equipe de uma possível final neste torneio — que, caso aconteça, será a quinta na carreira de Marcelo Oliveira. Mas até quando a sorte vai poupar este time de algo pior?

Marcelo Oliveira e Levir Culpi: têm o Atlético como ponto em comum e, por que não, a alcunha de “burros com sorte”? (Foto: Gazeta Press/Reprodução)

Em um torneio de pontos corridos, que a regularidade vale muito mais que o acaso, isso faz muita falta. E talvez seja por isso que o místico time do Atlético não tenha conseguido chegar no lugar mais alto da tabela ao término das corridas anuais. No fim das contas, vai ser preciso entender que os blocos do ataque e da defesa, citados parágrafos atrás, deveriam ser um só, e que um time, para se tornar campeão, precisa ter estabilidade em sua maneira de jogar. Durante o campeonato deste ano, faltou isso ao Galo, que viu, em diversos momentos, a oportunidade de liderar o torneio escapar de maneira muito rápida.

Com o sonho do fim de um jejum de 45 anos se estendendo por mais um, fica para o Atlético a lição de que acreditar é muito importante. Porém, mais essencial do que isso, é aliar a crença à razão, para enfim conseguir entender que a qualidade dos atletas não será nada comparada à força de uma equipe. E que isso valha para Marcelo Oliveira rever alguns conceitos, trocar o individual pelo coletivo, e que essa evolução o faça depender, cada vez menos, do poder do acaso para chegar ao sucesso.

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Matheus Eduardo

Raramente (mas não nunca) posto algumas ideias aqui. A intenção é fazer essas leituras valerem a pena. Futebol em todos os sentidos possíveis.