Posicional x funcional e as nossas mazelas culturais

Matheus Eduardo
4 min readOct 13, 2023

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O futebol tem algumas situações curiosas. É simples, ao mesmo tempo que é bastante complexo.

Falar, no Brasil, que o resultado não pode (deve) direcionar as avaliações é surreal. Hoje, eu sei. E deveria ter entendido isso antes, até para absorver melhor o que se fala sobre o esporte por aqui — por consequência, respingando na Seleção a cada noite de decepção, algo que não tem sido raro.

Empatar com a Venezuela sempre é o “pior dos mundos”. Foi com Diniz, Neymar e companhia no jogo que estava “ganho” em Cuiabá; também foi naquele 0 a 0 arrastado que muitos lembraram ocorrer na “Era Tite”, abrindo a Copa América de 2019 — ironicamente, vencida pelo Brasil. E será em qualquer outro evento futuro que envolva não vencer a seleção venezuelana — que não tem nada a ver com isso e tem sido uma pedra constante em nosso sapato.

Não gosto e nem acho o correto atribuir juízo de valor a atletas e treinadores em situações como esta. É MUITO FÁCIL falar que nada funciona e que os problemas são gigantescos.

Uma coisa é o desafio enorme que o Brasil tem para conectar uma parte da torcida à sua nova forma de jogar, bem como recuperar a confiança e a força em jogos grandes, visando o ciclo para a Copa de 26. Outra coisa é sair do foco e tratar o jogo de hoje como uma caça às bruxas. Ou pior: a ressurreição do discurso de isto x aquilo.

O assunto dos últimos 18/24 meses no Twitter, bem como em muitas rodas de debate de futebol Brasil afora tem sido sobre as formas de jogar o esporte no nosso país. É muito provável que você já tenha escutado as expressões “posicional” e “funcional” por aí, mesmo que sem entender tão bem o que as difere. Ou o porquê destes termos. Ou até mesmo a necessidade de uma antítese tão forte entre elas.

A verdade é que as narrativas movem o mundo, e discutir certo vs errado quando se trata de formas diferentes de jogar só mostra o quanto NÃO evoluímos num debate acerca do futebol e das múltiplas formas de pensar o jogo. É o que eu prefiro e ponto final.

“Diniz pratica um jogo mais funcional; Tite era mais posicional”. Falar isso é como dizer que a água é molhada. Enumerar que o Brasil “deveria ser mais funcional” na era anterior também. Bradar que as coisas naturalmente vão melhorar quase que “por osmose” agora também é papo desnecessário.

O começo de Eliminatórias do Brasil com o atual técnico do Fluminense tem apresentado problemas, atuações que não agradam e uma série de erros técnicos. Natural quando pensamos na ruptura de estilos e também no curto período de treino. Atípico quando atribuímos nosso padrão de crítica, porque é a Seleção Brasileira em campo. E alguns destes erros acabam se tornando inaceitáveis — ou um pouco mais passíveis de cobrança imediata.

Veremos o Brasil aprimorando pontos coletivos? É quase certo que sim.
É preciso de tempo para melhorar? Com certeza.
Existe certo e errado nas formas de jogar futebol? Estamos vendo que não.
Você perde, ganha, agrada e desagrada atuando de diferentes formas.
Por isso é tão legal o futebol. Por isso nos surpreende tanto (para o bem e para o mal).

Hoje, tenho a mesma impressão do “Dinizismo” que tinha quando ele foi anunciado como técnico do Brasil: ainda precisa pegar o jeito, entender o salto de qualidade e a diferença no nível dos atletas que tem em mãos agora.

Vai demorar. Talvez não seja conforme muitos esperam. Mas é um processo que, inevitavelmente, trará cobranças, comparações e MUITAS situações que vamos ter que reavaliar a cada partida.

Neymar, Rodrygo, Vini, Jesus, Richarlison, Bruno Guimarães. Todos eles, e alguns mais, serão reavaliados por nós a cada noite de Eliminatórias. O ciclo é longo e ainda precisamos entender que tipo de time está sendo formado.

Não é só a mudança do “posicional” para o “funcional”. É uma mudança de time com os novos atletas, um jeito diferente de trabalhar o futebol, de entender as exigências — e os traumas dos últimos 2/3 ciclos.

Particularmente, tive meu momento de decepção vendo o jogo de hoje; tive a parte de pensar que “com o Tite, esse tipo de jogo geralmente era resolvido com mais facilidade”. Mas de que adianta falar disso sem entender que o contexto é outro? Que a mudança é grande? É mais um capítulo de algo que não sabemos que funcionará, mas que pode deixar as nossas opiniões bem mudadas do dia para a noite; e da noite para o dia mexendo tudo de novo, outra vez.

Diniz provavelmente não é toda a magia que alguns vendem, mas também não é toda a decepção que outros procuram mostrar a cada resultado que não engrena. E o Brasil, como um todo, na Seleção, e no nosso futebol, não é todos os exageros e opiniões que mudam a cada noite de jogo — muitas vezes, moldadas por um sentimento forte de empolgação ou frustração que temos após um resultado.

Terça-feira é o Uruguai. Mês que vem tem a Argentina. Vamos nos preparando para mais; muito mais. E tentando absorver esses “pormenores” de uma mudança muito mais complexa e aberta a discussões do que estamos vendo agora.

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Matheus Eduardo

Raramente (mas não nunca) posto algumas ideias aqui. A intenção é fazer essas leituras valerem a pena. Futebol em todos os sentidos possíveis.